Artigo: “É um grande equívoco privatizar saneamento mais do que já está”

Confira a análise dos especialistas André Lucirton Costa-engenheiro de produção, professor titular em administração da FEARP/USP; Hugo de Oliveira- economista, ex-presidente da ARSESP; João Jorge Costa-engenheiro, ex-diretor da Sabesp; e José Everaldo Vanzo- engenheiro civil/sanitarista, atua no setor de saneamento e gestão de recursos hídricos desde 1977.

O governador Tarcísio de Freitas estabeleceu como uma das metas prioritárias de seu governo a privatização da Sabesp até meados 2024. As justificativas para tal decisão são melhorar a eficiência na prestação dos serviços e cumprir com a meta de universalização do novo marco regulatório e baixar as tarifas.

Estes argumentos não se sustentam frente à realidade dos fatos. A Sabesp tem padrões de eficiência que a tornam benchmark do setor. Além disso, já comprovou junto à Arsesp, a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo, sua capacidade financeira de alcançar a universalização dos serviços dentro dos prazos estabelecidos pelo novo marco.

Menos de dez porcento das cidades que ela atende ainda não alcançaram as universalização nos serviços  de Esgotamento necessários ,mas todas as suas 369 cidades nas quais tem a concessão estão universalizadas com os serviços de abastecimento de água.

Além disso, existe um conjunto de evidências que indicam claramente o grande equívoco que seria delegar ao setor privado a gestão da Sabesp.

A Sabesp é referência internacional em Governança Corporativa e Gestão Executiva na prestação de serviços de Água e Esgotos, atendendo também os princípios de sustentabilidade econômico-financeira estabelecidos pelas bolsas de valores de São Paulo e Nova York, tendo 49,5% das suas ações nas mãos do setor privado.

A empresa é a principal executora das políticas públicas de saneamento definidas pelo Estado. Atualmente concentra-se no setor de água, esgoto e tratamento de águas residuais, mas está sendo preparada para assumir a execução dos serviços de públicos de Resíduos Sólidos e Drenagem Urbana

A Sabesp não depende de recursos públicos para se sustentar e realizar investimentos. Da mesma forma que uma empresa privada participa com capital próprio no financiamento dos investimentos, que é para onde vai 75% do seu lucro líquido.

A média anual dos investimentos da companhia é da ordem de cinco bilhões de reais, o que representa 50% de todo o investimento realizado no setor no Brasil considerando a totalidade das empresas púbicas e privadas.

Com 49,5% de ações no mercado a Sabesp distribui 25% do lucro líquido aos seus acionistas. Para os cofres do governo do Estado, o acionista principal, entram anualmente entre R$ 300 e R$ 500 milhões. Além disso, munícipios que mantiveram ações da companhia também recebem dividendos periodicamente.

Embora pública, a companhia é gerida com os mesmos princípios de eficiência e lucratividade de uma empresa privada. Neste sentido, trabalha intensamente com base em contratos de concessões e outras modalidades de parceria público privado. Adota o regime da CLT para seus quase doze mil empregados que atendem 30 milhões de habitantes.

A alocação de ativos da Estação de Tratamento de Água da zona Sul de Franca e a PPP do Alto Tietê concretizada em 2008, com trinta anos de contrato e valor superior a três bilhões, são bons exemplos e desde então firmou   dezenas de outras parcerias bem sucedidas.

A Sabesp seleciona seus parceiros e fornecedores de forma impessoal e transparente, com o rigor da Lei de Licitações, e se submete a auditorias do Tribunal de Contas do Estado e da Arsesp. Tal não acontece com as empresas privadas que atuam no setor. A rede de fornecedores da Sabesp produz tecnologia que tem grande participação da indústria nacional. Equipamentos, materiais e infraestrutura de engenharia hoje são produzidos no Brasil.  Cenário que pode ser radicalmente afetado pela privatização. A política tarifaria da companhia se baseia no princípio do subsídio cruzado que beneficia usuários de baixa renda e não onera o Estado para o seu financiamento. Desta forma a Sabesp estabelece tarifas sociais com descontos que variam acordo com a vulnerabilidade das comunidades atendidas.

Atualmente as tarifas da Sabesp nas suas várias categorias é da ordem de 40% das praticadas pelos operadores privados que venceram a licitação da CEDAE no Rio de Janeiro.

Na cidade paulista de Serra Azul, totalmente universalizada, aproximadamente 11% das famílias pagam tarifas sociais e 80% delas se enquadram na tarifa para vulneráveis  no valor de R$ 15,00  mensais pelos dois serviços. Mesmo assim a Sabesp é lucrativa.

Diante destes fatos parece óbvio que vender o controle acionário da Sabesp é uma decisão extremamente prejudicial à maioria da população e à despoluição das águas. O Estado de São Paulo, além de seu patrimônio, perderá o controle da execução operacional eficiente e aderente aos princípios públicos para área do Saneamento.

Com a privatização existe um alto risco de a operação ser assumida por uma empresa privada, provavelmente pertencente a um grupo financeiro estrangeiro, não aderente a esses princípios. A experiência nacional mostra vários exemplos de concessões e PPPs desastrosas.

A privatização somente se justifica para empresas estatais com muita dificuldade de gestão e capturada pelas políticas fisiologias do país.  A Sabesp definitivamente não se enquadra neste tipo de diagnóstico.

O Estado não pode decidir com base em dogmas. A inciativa privada nem sempre é melhor para execução de políticas públicas, vide o caso de Manaus, uma concessão privada que vigora desde o ano 2000 e atende apenas 16% da sua população com redes coletoras e tratamento de esgotos e com tarifas médias 70% maiores do que as da Sabesp.

Fora do Brasil, a recente crise da Thames Waters, privatizada em 1989, na Inglaterra, que acumula dívidas de US$ 17,5 bilhões mostra os impactos negativos que uma gestão privada pode produzir.

Diante de tudo o que foi exposto é fato que ao abdicar do controle acionário da Sabesp as tarifas se elevarão, os investimentos serão reduzidos e a universalização dos serviços   não será alcançada em  2033.

O mais sensato seria incentivar o setor privado a investir no saneamento de cidades paulistas que ainda não alcançaram sua universalização nem em Água e nem em Esgotamento Sanitário e em projetos relativos à resíduos sólidos e drenagem, desafio comum a quase todos os municípios paulistas.

Ficam então as perguntas até agora não respondidas pelo atual governo à população: qual o motivo da venda adicional de ações ao setor privado? Será o de levantar fundos para aplicação em outros setores? Quais são eles? São mais prioritários que o saneamento com seus impactos e externalidades em saúde pública e despoluição das águas? O consumidor pagará novamente pelos investimentos já realizados como aconteceu com as concessões onerosas do RJ,Maceió e tantas outras nos últimos três anos

 

 

 

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