Seminário MP 868 e seus contrapontos

O SEMINÁRIO MP 868 E SEUS CONTRAPONTOS, realizado pela APU em conjunto com AESABESP em 15 de março, lotou o auditório da Cetesb em uma demonstração do forte interesse do assunto para os trabalhadores da Sabesp e as entidades do setor.

Alcançamos o objetivo de promover o debate sobre a MP 868/2018, que altera a marco regulatório do Saneamento, para ampliar o conhecimento de nossa comunidade sobre o tema e discutir o assunto com maior profundidade com a sociedade e a classe política. Benedito Braga, presidente da Sabesp, abriu o evento, comentando que a MP trata cada município de forma isolada não contemplando os ganhos com operações em escala regional, além de ter problema conceitual quanto à isonomia no tratamento do setor privado em comparação com as empresas estaduais que não terão a mesma oportunidade de concorrência, uma vez que os ativos dessas empresas não serão reembolsados pela empresa privada que obtiver a concessão municipal.

Abelardo de Oliveira Filho, ex-secretário da Secretaria Nacional de Saneamento e ex- presidente da Embasa, apresentou com riqueza de detalhes a situação da Política Nacional de Saneamento Básico e as principais modificações que a MP 868/2018 pretende introduzir nas leis do saneamento básico (11.445/2007), dos consórcios públicos (11.107/2005) e da Agencia Nacional de Águas (9.984/2000).

Abelardo destacou que o artigo 8º-D da MP possibilita a privatização das estatais de saneamento básico sem a extinção dos Contratos de Programa firmados com os municípios, contrato este que é fruto da gestão associada de serviços públicos autorizada por Consórcio Público ou Convênio de Cooperação entre entes federados, isto é, o Estado e o Município. Portanto, se a empresa estatal for privatizada, a continuidade dos Contratos de Programa é inconstitucional. O interesse do governo federal neste artigo tem motivo em que as empresas estaduais de saneamento não tem valor de mercado sem os Contratos de Programa, pois não dispõem de ativos para a venda, que ao final do contrato devem estar amortizados e incorporados aos municípios.

O artigo 10-C obriga aos municípios a publicar Edital de chamamento público para verificar se existe interesse de empresas privadas na prestação dos serviços de saneamento básico. Abelardo mostrou que isso facilitaria a privatização dos serviços dos municípios maiores e mais rentáveis, deixando para o Estado os menores e os deficitários. Seria a “privatização do filé para deixar o osso para o Estado”. Além disso, interfere na autonomia dos Municípios que já dispõe de três opções para a forma de prestação de qualquer serviço público: direta, indireta e por gestão associada.

A subdelegação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico seria permitida pelo artigo 11-C, também inconstitucional segundo Abelardo, pois não pode haver subdelegação do Contrato de Programa.

A MP 868 ainda traz diversos artigos que delegam competências para que a ANA exerça a instituição de normas e a coordenação nacional da regulação do saneamento básico, sem ter competência, experiência ou pessoal capacitado para exercer essa função.

Destrói também as companhias estaduais de saneamento básico obrigando aos estados e/ou municípios a prestar os serviços dos municípios pequenos e não rentáveis. O setor privado já dispõe de dois instrumentos legais para prestar os serviços (Lei de Concessões e de PPP);

A MP 868 é um verdadeiro retrocesso para o saneamento básico do país – Desconstrói a política nacional de saneamento básico, desestrutura totalmente o setor e destrói tudo o que foi conquistado com muita luta, ao longo dos últimos quinze anos;

Se aprovada, vai prejudicar sensivelmente a população brasileira, principalmente as de baixa renda e mais carentes que residem na periferia das grandes cidades, nos pequenos municípios e as que não tem acesso aos serviços de saneamento básico;

Roberval Tavares de Sousa, presidente da ABES Nacional, expôs a sua visão sobre a MP qualificando-a como muito ruim para o setor, incapaz de oferecer instrumentos para lidar com as desigualdades de saneamento no país, tampouco de melhorar a prestação de serviços. Criticou a edição de MP, pois não é urgente e poderia ser debatido mediante um projeto de lei. O artigo 8-D traz insegurança jurídica muito grande que pode trazer inviabilidade para os Contratos de Programa e ainda obriga ao município que não consentir com a privatização da estatal a indenização dos ativos não amortizados.

Para Roberval, o artigo 10-C reduz a competividade das empresas estaduais, sendo que o setor privado já dispõe de instrumentos legais para a prestação de serviços por concessão ou por PPP. O exemplo de Tocantins demonstra que a empresa privada somente irá operar municípios rentáveis, com forte deterioração naqueles onde o Estado atua e não possui recursos para investimentos. Quando se compara a evolução dos indicadores de saneamento de Tocantins com Goiás é notável a melhor evolução para a operação regionalizada com a SANEAGO.

A MP inviabiliza as empresas regionais e destrói o subsídio cruzado que possibilita que os municípios mais rentáveis financiem os menores e menos rentáveis, o que certamente provocará aumento de tarifas. A ABES está atuando em conjunto com AESBE, ASSEMAE e ABAR para propor alterações no texto da MP, que recebeu 501 emendas parlamentares, e fazer mobilização e debates em todo o país.

O deputado federal Samuel Moreira, membro da Comissão especial que irá analisar a MP 868, cujo prazo de validade irá expirar em 4 de junho, considerou que ela não propõe um financiamento e uma regionalização adequada para o saneamento básico. De modo geral, o cidadão não se importa se a empresa de água é privada ou pública, mas sim se a tarifa é justa e o serviço é eficiente. A titularidade é do município e os sistemas bem sucedidos são, em geral, regionalizados. A MP, equivocadamente, desestabiliza aquilo que funciona bem hoje, como é o caso da Sabesp. Por outro lado, há empresas estaduais ineficientes que precisam melhorar. Essa MP não tem urgência, embora trate de um tema relevante, e vê sinais que o Governo Federal está disposto a alterar certos pontos do texto. O deputado propôs 14 emendas, inclusive para os polêmicos artigos 8º-D e 10-C. Defende que a Sabesp prossiga na ampliação de seus serviços, pois é uma empresa extraordinária. Necessitam-se R$ 20 bilhões anuais para universalizar o saneamento até 2033. O setor privado tem que trabalhar com eficiência, ética e indicadores. Está em diálogo com todas as entidades do setor, inclusive sindicatos e setor privado, na busca de regras que beneficiem todo o setor na busca da universalização.

Francisca Adalgisa da Silva, diretora-presidente da APU, manifestou a preocupação dos trabalhadores com as frequentes notícias sobre a privatização da Sabesp que afirmam haver um consenso dentro do Governo Estadual nessa direção, fato que também dificulta assinatura de contratos de programa já negociados com diversos municípios, pela insegurança trazida pela MP voltada à privatização. Francisca defendeu a Sabesp, empresa reconhecida, valorizada e respeitada pela população, e a queremos pública e eficiente, voltada para a qualidade de vida da população.

O deputado Samuel Moreira afirmou que não tem notícia, dentro do governo, de haver movimento para a privatização da Sabesp, que teria viés exclusivamente financeiro, e reiterou sua defesa para a Sabesp ampliar sua base como empresa pública. No momento a prioridade é a MP, que o Governo federal prepara alterações a serem apresentadas no dia 21, em reunião com membros da Comissão Mista.

Viviana Borges, presidente da AESABESP, destacou que a entidade já manifestou repúdio à MP 868 principalmente quanto aos artigos 8º-D e 10-C e não trará a universalização.

Amauri Pollachi, diretor da APU, observou que o movimento para a privatização do saneamento no Brasil está na contramão do que ocorre globalmente. Os estudos demonstram que está em curso um movimento pela reestatização, com casos emblemáticos em Paris, Berlim, Johannesburg, Kuala Lumpur, La Paz, Buenos Aires, Valladolid, Turim, todas essas cidades motivadas por razões como: desempenho medíocre das empresas privadas, sub-investimento; aumento abusivo de preços; disputas sobre custos operacionais; dificuldade em fiscalizar empresa; falta de transparência financeira; má qualidade de serviço. Em Berlim a péssima qualidade chegou a tal ponto que os moradores aprovaram a indenização à empresa privada mediante cobrança de um valor adicional em tarifa. Quando recursos foram destinados ao setor houve nítido aumento dos indicadores, por isso deveria haver a instituição de um fundo vinculado à universalização do saneamento.

Abelardo Oliveira destacou que os dados da PNAD demonstram a evolução dos indicadores de acesso à solução adequada de saneamento quando houve aporte significativo de recursos de FGTS e Orçamento Geral da União a partir de 2003. A ausência de recursos para saneamento nos últimos anos serve para justificar a privatização. Já em Manaus, em 20 anos a operação privada sequer alcançou 10% de coleta de esgotos.

Francisca Adalgisa afirmou que a APU participa dos debates e da mobilização contra a MP 868 em parceria com os sindicatos e associações, e acredita nessa união de forças e no diálogo aberto com os trabalhadores do setor, em articulação com prefeituras, comitês de bacia e entidades da sociedade civil para buscar apoio de todos os segmentos possíveis contra a MP e se necessário mobilizaremos o que for necessário contra a privatização da Sabesp e defenderemos o serviço público de qualidade para toda a população brasileira. Agradeceu a presença de todos e pediu para que estejamos unidos nessa batalha para favorecer principalmente aqueles mais pobres.

O Seminário contou com a presença de mais de 240 participantes com destaque para a participação do deputado federal, João Papa; do vereador de São Paulo, Antônio Neto Mendes; do presidente da ASEC/Cetesb (Associação dos Engenheiros e Especialistas da Cetesb e do Meio Ambiente), Uladyr Nayme; do presidente e vice-presidente da AAPS (Associação dos Aposentados e Pensionistas da Sabesp), José Luiz de Melo Pereira e Paulo Menezes; do presidente do Sintaema – Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente, José Antônio Faggian; do presidente do Sintius (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Santos, Baixada Santista, Litoral Sul e Vale do Ribeira), Carlos Cardoso Platini; do vice-presidente e do diretor do SEESP (Sindicato dos Engenheiros de São Paulo), João Carlos Bibbo e Manoel Carlos; do presidente da APECS (Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente), Luiz Roberto Pladeval; e do Secretário Adjunto de Energia do Estado de São Paulo, consultor e professor da USP (universidade de São Paulo), Ricardo Toledo Silva.

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